sexta-feira, julho 08, 2005

Mind the Gap

A posição de Bush. O Erro:

We are fighting these terrorists with our military in Afghanistan and Iraq and beyond so we do not have to face them in the streets of our own cities.

É a estratégia conhecida como flypaper theory. Para além de no Iraque não existirem ADM, o Iraque tornou-se num covil de terrorismo e recrutamento de terroristas. O número diário de ataques por insurgentes em Fevereiro deste ano era 70. No mesmo mês de 2004 eram 14.
E a guerra não tem tornado o mundo ocidental mais seguro, antes pelo contrário. Este inominável ataque a Londres desmente totalmente a ideia de que a Al-Qaeda já não está apta a montar um ataque coordenado e de grandes dimensões. É evidente que o terrorismo não foi criado pela guerra no Iraque. Aliás, se há países europeus que conhecem outros terrorismos é o Reino Unido e a Espanha. O terrorismo islâmico não foi criado pela guerra no Iraque mas foi, indubitavelmente, alimentado por ela. Este gráfico da BTC news, permite a constatação.
Os ataques terroristas tiveram o seu ponto mais baixo em 2000.
Os ataques terroristas triplicaram em 2004. Em 2005 esse número aumentou ainda mais.

No Público de hoje pode também ler-se: “A 31 de Maio, o juiz francês Jean Louis Bruguière, especializado em terrorismo, declarava à BBC que “a actual Al-Qaeda fragmentada” é uma ameaça maior do que antes. Está a recrutar jovens muçulmanos radicalizados pela guerra
do Iraque (…) O MI5 — responsável pelo contraterrorismo — tem manifestado preocupação pela radicalização de jovens muçulmanos e pela partida de muitos para o Iraque onde se vão integrar na guerrilha, escreve o analista militar do Guardian, Richard Norton-Taylor. (…) Um relatório de Departamento de Estado americano, de fins de Fevereiro, traça um panorama pessimista. O número de atentados terroristas passou de 175 em 2003 para 655 em 2004. “O ano de 2003 foi mau e 2004 é pior”, escreveu Larry Johnson, antigo responsável do combate ao terrorismo. “Ao contrário do que a Administração [Bush] dá entender, estes números têm uma importância considerável. Mostram que a jiahd não está em recuo, mesmo se a Al-Qaeda está
enfraquecida.” É preocupante a “difusão da sua ideologia”. A ocupação do Iraque e a opção americana pela linha militar no combate ao terrorismo terão um papel importante nesta deterioração. “
Na verdade, ontem perdemos mais um bocadinho de liberdade. A Economist chamava-lhe o dilema entra a segurança e a liberdade. Mas não há dilema nenhum, apenas uma escalada lenta e progressiva. As leis anti-terrotistas, o Patriot Act, os Bilhetes de Identidade Compulsivos, as largas margens de actuação concedidas ao FBI, Guantánamo, são sintomas. Não há dilema. Houve uma escolha e a foi errada. Para além do mais, a tensão entre muçulmanos não radicais e europeus/americanos, vai num crescendo. Cada vez mais, e não obstante o facto destes muçulmanos serem um alvo tanto como os londrinos ou os nova-iorquinos*, há uma suspeita. Cada muçulmano torna-se num suspeito e é olhado com desconfiança.
Das muitas conversas que tenho tido com muçulmanos nos EUA, uma coisa ressalta: ou já cá nasceram ou vivem aqui há 10, 20, 30 anos, mas nunca se sentiram tão mal. Os seus filhos nasceram aqui. Sempre se sentiram razoavelmente bem recebidos e integrados. Trabalham e pagam impostos. Depois do 11 de Setembro, passaram a ser “especialmente” revistados nos aeroportos, sujeitos a interrogatórios policiais sem motivo que tivesse sido apresentado. Os seus filhos começaram a ter tratamento diferente nas escolas. Por outras crianças. Muitos não sonham em regressar aos seus países. A sua pátria é aqui. Mas custa. Numa conversa que tive com um árabe, com cidadania americana, residente em Chicago há 32 anos, ele dizia qualquer coisa deste género: “Você é mulher e branca. É europeia. Eu sou homem e muçulmano. Deixei o país onde nasci há mais de 30 anos. Depois do 11 de Setembro tornei-me lixo. Você nunca compreenderá como é ser todos os dias olhado de soslaio no metro, a caminho do trabalho. Ou ser revistado numa sala especial do aeroporto, com toda a gente a olhar. Ou o seu filho chegar a casa lavado em lágrimas porque os o chamaram de assassino. Depois do 11 de Setembro deixei de ser cidadão. Os meus direitos são teóricos. Não tenho país.”
Aliás, hoje os mulçumanos londrinos já começaram a ser alvo de ataques.
É, como diz T. Friedman no NYT desta sexta-feira, o sonho de Bin Laden concretizado: a criação de uma fenda entre o mundo mulçumano e ocidental.
E é esta a Al-Qaeda que temos agora: fragmentada e espalhada, como as metástases de um cancro. A quem podemos "responder" agora? Como responder a estes ataques se não há um centro? Enfim….onde está Bin Laden? Onde estão os campos de treino dos terroristas?
Enquanto o Ocidente não perceber que só com o mundo muçulmano do seu lado poderá combater os radicais muçulmanos, estes ataques repetir-se-ão. E provavelmente com progressiva maior frequência.