quarta-feira, janeiro 25, 2006

E agora?

Na segunda-feira, o DN dava-me como uma das derrotadas destas eleições. Dizia que eu tinha estado ao lado de Soares, não apoiando a candidatura do Bloco de Esquerda e que, ainda por cima, tinha sido muito crítica quer em relação a Alegre, quer em relação a Cavaco, os dois vencedores.
Tudo verdade, portanto.
Cavaco Silva ganhou. É o Presidente da República eleito. Mas o seu resultado mostra como a segunda volta, e como afirma Fernando Rosas no Público de hoje, estava perfeitamente ao alcance da esquerda, não obstante todas as declarações de vitória de Cavaco, feitas desde o início. E estava ao alcance da esquerda em parte, se a esquerda tivesse sido mais combativa perante os silêncios de Cavaco. Perante o "pela calada" que lhe permitiram, entre outras coisas, “captar uma parte significativa do voto de descontentamento”, vindos não apenas da expressão dos “políticos são todos iguais”, mas também das políticas levadas a cabo por Sócrates.
A derrota da esquerda deve-se também à sua divisão.
Tinha sido preferível uma federação das esquerdas. O Bloco e o PC não quiseram. O PS não soube. E o PS não soube não apenas tardando em apresentar um candidato, como permitindo que se instalasse a total confusão, que em muito beneficiou Alegre.
Entre o seu cocktail de ideais patrióticos, memoriais e anti-partidos (mas nunca criticando o governo), Alegre seduziu votos do PS, do CDS, do BE e de “cidadãos descrentes”. Valeram-lhe 20%. Mantenho, evidentemente, as críticas que fiz a Alegre e digo aqui, como já tive a oportunidade de dizer publicamente e em privado muitas vezes, que a estratégia de poupar Alegre, receando o efeito de boomerang, não resultou. Muitos pouparam-lhe críticas justas e fáceis (no sentido que material não faltava), com medo que se vitimizasse. Está visto que não valeu de nada. Alegre, poupado pela direita e pela esquerda, cresceu até um milhão de votos.
Já ouvi por aí a ideia de que, neste nosso “Portugal dos brandos costumes” ganharam os dois candidatos que não fizeram críticas e perderam os que as fizeram. Não concordo. A vitória tangencial de Cavaco mostra que as críticas tiveram efeito. O resultado do PCP também. Jerónimo é “O simpático”, mas nunca se coibiu de criticar Cavaco. E mesmo Alegre, especialmente no episódio Cunhal. Repito: o resultado abastado de Alegre deve-se, em larga medida, ao medo que muitos tiveram de pôr na mesa as profundas contradições, falta de preparação e demagogia de Alegre.
Se não queriam federação, se houve muito mais críticas a Soares, como foram na cantiga de Alegre?
Além disso, basta olhar para as intenções de voto no pós-debates, para perceber quem foi prejudicado com as críticas. Efectivamente, o grande momento de confronto nestas presidenciais (que soube a pouco, mas foi praticamente o único) foram os debates na TV. A seguir aos debates, as intenções de voto em Alegre e Cavaco- os mais criticados nos mesmos- desceram para, na campanha (muito mais morna que a pré-campanha), recuperarem. Louçã e Soares, os que foram mais incisivos e aguerridos nesses mesmos debates, viram a suas intenções de voto aumentarem nessa altura.
Não havendo mais debates, a coisa ficou mais difícil. Alegre começou a visita aos mortos, Soares colou-se ao governo (realmente a sua pré-campanha foi bem mais eficiente…e como já outros notaram, colou-se ao governo o candidato que mais está para além de qualquer partido ou governo), Cavaco fez o acomodamento final na sua mudez. Louçã e Soares perderam a vantagem alcançada em Dezembro.
A esquerda falhou ao não ser capaz de se federar e ao ter, em alguns momentos, ficado acanhada com o discurso “eu não critico ninguém” de Cavaco (Alegre em particular, mas não só). As candidaturas de Soares e Louçã falharam ao recear criticar Alegre. Soares falhou ao permitir interferências do governo (que ainda por cima, entretanto, lançou medidas impopulares). Irónico...o discurso que mais se ouviu sobre os poderes presidenciais foi o medo que o (futuro) Presidente interferisse com o governo. Soares fez o contrário: deixou que o Governo interferisse com o (candidato a) presidente.
Já está mais que batido que Soares fez, ainda assim, um grande combate, com nada a ganhar, tudo a arriscar. Um exemplo cívico, democrático e, sobretudo, um exemplo contra o Portugal dos mitos e estátuas. Valeu a pena.
A campanha de Louçã como, aliás, Medeiros Ferreira já ontem assinalou no DN, foi geralmente bem conduzida. Mas também mostrou que, ao contrário do PCP, que tem uma tradição muito mais aparelhística, o Bloco não deve nem pode ficar-se por aí.
Entre o descontentamento relativamente aos partidos e as novas possibilidades dadas pelos autênticos movimentos sociais, espero que a Esquerda abra agora- e finalmente- o caminho, mais falado do que trilhado, da sua própria reflexão e refundação.
Os tempos que se seguem, sem eleições, podem ajudar. Vamos ver se vem o mais importante, se há federação de vontades.