sexta-feira, novembro 17, 2006

Sottomayor Cardia (1941-2006)

Conheci-o quando usava o nome do pai,o médico Mário Cardia assumido monárquico do Porto.Foi na Faculdade de Letras de Lisboa em 1960.De certa maneira representávamos duas maneiras de cursar filosofia.Eu vinha sem doutrina, Cardia afirmava-se na escola do positivismo lógico.Em breve só falávamos de ideias políticas.Levou-me então com ele para uma extensão das Juntas Patrióticas que reunia em casa da Fiama Hasse Pais Brandão.Era mais uma arcádia de jovens literatos do que uma brigada anti-salazarista.O malogrado Passos Valente, o poeta Gastão Cruz, a Luisa Ducla Soares pareciam sempre apressados no derrube da ditadura mas para não perderem mais tempo com esssas questões da política.Mesmo assim estivemos numa manifestação na Avenida da Liberdade num 11 de Novembro de 1961, capitaneados pelo Cardia cuja coragem física contrastava com um corpo franzino e uma saúde frágil.A carga de polícia foi só um baptismo da pancadaria que o regime reservava aos oponentes júniores.Em 1965, por insistência dele fomos os 2 candidatos da oposição democrática numa lista de unidade encabeçada por Mário Soares.Como o programa proponha uma solução política para a questão colonial 10 anos antes da evidência generalizada fomos insultados por tudo quanto era gente entendida na matéria.Quando já estava em Genebra tomei conhecimento das violências sofridas por Cardia na PIDE e que podem muito bem ter estado na origem de alguns problemas traumáticos que acompanharam esse grande português anos mais tarde.Também estivemos juntos no período crucial de 1974-1976 onde mais uma vez a coragem de Cardia o levou a denunciar novas tentativas anti-democráticas.E fizemos parte do I governo Constitucional.Finalmente acabamos na mesma Universidade onde prestamos as nossas provas académicas.A última vez que vi o Sottomayor Cardia ele disse-me que se queria aposentar mas parecia que, embora tivesse já 65 anos, não tinha os 36 requeridos por manifestamente não ter sido beneficiado com a informação da Pide para entrar na função pública antes do 25 de Abril...De certa maneira morreu em combate.Hoje sinto-me mais sozinho.